Vossa Excelência, a mixagem

Publicado originalmente no site Rockonline em 15/12/2001

MixE aí galera, beleza?

Na matéria deste mês vamos falar sobre uma das partes mais importantes do processo de gravação de um CD, a mixagem!

Por diversas vezes você já deve ter visto a frase mixado por (ou “mixed by”) seguido pelo nome de uma ou mais pessoas, e você deve ter se perguntado, o que é que esses caras fizeram? Não é só gravar e pronto? O que é mixar? Pois bem, vamos tentar responder a estas perguntas, e falar sobre os princípios básicos da mixagem.

Há muito tempo atrás, quando a terra ainda era jovem e os primeiros gravadores de áudio ainda habitavam o nosso planeta, o processo de gravação de um disco era uma coisa muito simples: Um microfone era colocado de um lado, e uma banda era colocada do outro, aí era só apertar o “REC”. Apesar deste método ser extremamente simples, ele não era nem um pouco prático. A única forma de fazer com que algum instrumento soasse mais alto era aproximando-o do microfone, e os músicos não podiam errar, senão tudo teria que ser gravado de novo (tem muita gente hoje que não poderia gravar naquela época…).

Um belo dia um cara chamado Les Paul (ele mesmo!) fez umas modificações no cabeçote de um gravador de rolo e criou o gravador “multipistas”. A partir daí se tronou possível, por exemplo, gravar uma guitarra, voltar a fita e gravar a voz, ouvindo a guitarra pré gravada. Aí surgiu a dúvida, será que a guitarra não está muito alta? Ao diminuir o volume da guitarra em relação a voz surgiu a mixagem.

A brincadeira estava apenas começando…
Os Beatles já gravavam em quatro canais (quatro pistas separadas) onde gravavam por exemplo um canal de base (bateria, baixo e guitarra), um canal de solos, um canal de vozes, e um canal de percussão (pandeirola, palmas, etc.). Aí o John dizia que era necessário subir um pouquinho a voz dele, o Ringo falava que a bateria estava muito baixa, O George queria mais eco na guitarra solo, o Paul balançava a cabeça negativamente, e Geoff Emerick (técnico de som dos Beatles) arrancava os cabelos tentando agradar a todos! (eu nunca presenciei uma gravação dos Beatles, mas se for um pouco parecida com as que faço hoje, esta cena seria bem provável!).

No meio dos anos 60 surgiram as primeiras mixagens em “estéreo”, ou seja, depois de gravado, tudo era passado para dois canais distintos, o esquerdo e o direito, como no seu aparelho de som doméstico. No começo as pessoas queriam ouvir grandes diferenças entre um canal e outro, por isso os velhos discos dos Beatles foram “remixados”, aí se ouvia as vozes em uma caixa, e o instrumental em outro. Desculpe se falo tanto em Beatles, mas é impossível se falar de gravação e mixagem sem falar deles, muitos dos conceitos de gravação e mixagem surgiram de experiências feitas nos discos Beatles.

Hoje, nos estúdios profissionais os “canais” de gravação são praticamente ilimitados, sendo que é possível sincronizar vários tipos de gravadores (analógicos, digitais, de hard disk, etc.).

Ok, após esse breve histórico vamos aos princípios básicos da mixagem que são: Volume, equalização, posicionamento no espectro estéreo e efeitos.

O volume
O Primeiro é bem simples de ser explicado, mas ao mesmo tempo é o fundamento principal da mixagem. O volume relativo entre cada instrumento é crucial para conseguir o clima ideal da mixagem. Eu já mixei um álbum inteiro (e vários shows) trabalhando somente com os volumes. Um bumbo um pouco mais alto por exemplo pode deixar a música um pouco mais “dançante”, as guitarras mais altas podem deixar a música mais “agressiva”, um som de cordas em destaque pode deixar uma música mais “romântica”. Alguns estilos de música já possuem alguns “padrões” de volumes meio que pré-definidos. Já pensou em heavy metal com guitarras bem baixinhas? Terrível! Ou dance music com o som do bumbo bem escondido… Esquece. As vezes, diminuir um pouco o volume de um instrumento, pode “clarear” muito o som da mixagem como um todo. Claro, as regras existem para serem quebradas, mas se você quer minha opinião, você deve conhecê-las e saber aplicá-las muito bem antes de tentar quebrá-las.

A equalização
Agora vamos falar sobre equalização. Acho que qualquer pessoa já teve contato com algum tipo de equalizador. Sabe aquele controle de graves e agudos presentes em quase todos os aparelhos de som doméstico? (alguns aparelhos são tão terríveis que nem nem isso tem…). Esse é o tal do equalizador. De repente você está mixando e sente falta de um pouco de “corpo” no som do contra-baixo. Um pouquinho a mais de grave, e pronto, o som do baixo ficou do jeito que você queria. A voz está meio “opaca”, falta “brilho”… Ok, um pouquinho mais de agudo e a voz ficou perfeita! Claro, a coisa é bem mais complicada do que isso, geralmente você pode alterar várias freqüências (graves, médios, agudos…) diferentes em cada um dos instrumentos. Imagine uma gravação com trinta e dois instrumentos diferentes e cada um com quatro “faixas” de equalização diferentes… Aí o bicho pega! É bom saber que cada vez que você altera a equalização de um instrumento, você também está alterando o volume deste instrumento, já que ao equalizar, você está alterando o volume de alguma freqüência específica.

Posicionamento no espectro estéreo
Vamos falar agora sobre posicionamento no espectro estéreo. O nome é pomposo, mas a coisa é bem simples. Olhe para o seu aparelho de som. Ele tem duas caixas? Parabéns! Você está diante de um sistema estéreo, o que significa que você pode ouvir alguns sons na caixa esquerda e sons totalmente diferentes na caixa direita. Nas mesas de mixagem existe um controle chamado “Pan” (vem de “Panoramic”), que é similar ao controle de balanço de seu aparelho de som, que faz com que o som “se mova” da caixa esquerda para a direita. A diferença é que você tem um controle desses para cada “canal” de gravação (cada instrumento que foi gravado). Assim você pode, por exemplo, colocar a guitarra no canal esquerdo, e o teclado no canal direito, causando a impressão de que os músicos estão “espalhados” pela sua sala. Os tom-toms da bateria podem “passear” pelas suas caixas, o chimbal ficar um pouco mais à direita, o prato de acompanhamento um pouco mais à esquerda, dando a impressão de que o baterista está tocando na sua frente, no meio da sua sala. Novamente existem “padrões” estabelecidos, um bumbo e uma caixa de bateria, normalmente são colocados no “centro” do espectro, enquanto coros e instrumentos de harmonia são “abertos” para os cantos, causando uma impressão de “espaço” muito maior. Quebrando as regras, você pode colocar a caixa da bateria totalmente para a esquerda, e o efeito dela totalmente para a direita, dando a impressão de que ela “passeia” pelo spectro, é bem interessante, mas se você quiser dar a impressão de uma banda tocando ao vivo, é melhor não inventar muito.

Os efeitos
Vamos aos efeitos. Existem vários tipos de efeitos que podem ser usados na mixagem, mas os mais comuns são os efeitos de ambiência. Estes efeitos simulam a reverberação (milhares de ecos muito curtos, que somados alongam o som) de ambientes diferentes. Aí você pode colocar virtualmente o seu vocalista tanto dentro de uma igreja, quanto dentro de um quarto todo revestido de madeira, tornando a música muito mais “dramática”. Você pode usar “ambientes virtuais” diferentes para instrumentos diferentes. Normalmente eu trabalho com poucos efeitos diferentes numa mixagem, um ambiente pequeno e brilhante para a bateria, um ambiente um pouco maior para a caixa da bateria e o coro, um eco (aqueles de repetição mesmo) para a voz e instrumentos de solo, e algum efeito específico para a música em questão (chorus para uma guitarra, flanger para um coro, etc). Estes efeitos podem ser compartilhados na mixagem, por isso não é necessário um efeito para cada instrumento.

Conclusão
Estes quatro princípios básicos fazem o que chamamos de mixagem. Uma coisa muito legal, é que com apenas duas caixas, é possível ter um som tridimensional. O cérebro humano, em conjunto com toda a parte física da audição (até o formato das orelhas influenciam) fazem com que percebamos o som de maneiras diferentes. Como explicar que percebamos o som vindo por trás de nós, se não temos ouvidos atrás da cabeça? Mas voltando ao lance do som tridimensional, a coisa funciona mais ou menos assim: O cérebro identifica os sons agudos como se viessem de cima dos falantes, e os sons graves como se viessem da parte de baixo, assim já temos um eixo que nos dá a impressão de altura. Com o controle de “pan”, temos a movimentação da esquerda para a direita, ou seja, um eixo de largura. Com efeitos de ambiente podemos “distanciar” algum instrumento. Quanto mais “reverb”, mais distante o instrumento fica, quanto mais “seco” o som, mais próximo o instrumento fica. A mesma coisa com relação a volume, quanto mais alto, mais próximo, quanto mais baixo, mais distante. Assim criamos a impressão de profundidade. Desta forma conseguimos um som tridimensional a partir de um aparelho estéreo.

Hoje temos mixagens em vários formatos além do estéreo. O DVD por exemplo, permite mixagens (entre outros formatos) em 5.1, que consiste em caixa central, caixas esquerda e direita frontal, caixas esquerda e direita traseira, e uma caixa de sub grave. Aí a coisa tende a se complicar mais ainda… Vamos nos prender por enquanto apenas nos CDs de áudio, afinal já é bem difícil conseguir uma boa mixagem neste formato!

Um abraço a todos e ‘Keep on Rockin’.

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