Um cantinho, uma guitarra elétrica

Publicado originalmente no site Rockonline em 15/11/2001

GuitarraE aí galera, beleza?

Este mês vamos falar sobre a gravação de um dos instrumentos mais amados pelos fãs de Rock’n’Roll, a guitarra!!!

Por diversas vezes ouvi pessoas reclamarem que o mais difícil numa gravação era conseguir um bom som de guitarra. De fato o que fez com que eu começasse a me interessar por gravação, e engenharia de som foi exatamente a dificuldade em conseguir um som de guitarra decente. Quando eu ia gravar o som da minha banda (como músico, não como técnico) a dificuldade principal era fazer o técnico entender qual era o som que procurávamos. Com o tempo fui lendo, experimentando, e descobrindo várias formas de gravar guitarra. Desde que comecei minhas pesquisas, até o dia de hoje muitas coisas mudaram, e novas tecnologias chegaram para facilitar as coisas.

O equipamento
Vamos começar pelo principal. Apesar de ser um instrumento elétrico, a guitarra é um instrumento muito “sensível”, e pode soar completamente diferente nas mãos de pessoas diferentes. Isto quer dizer que ter uma guitarra e um amplificador igual ao de seu ídolo pode te ajudar a ter um som parecido com o dele, mas a principal característica do som está em suas mãos, e não no equipamento. Outra coisa importante, é que o som de sua guitarra depende muito do arranjo de sua música, por exemplo, uma música como “Sad but true” do Metallica tem aquele som “pesadão” porque a música é num andamento (tempo) mais lento, o que dá mais espaço para que soem os acordes, e é tocada na região mais grave da guitarra. É impossível conseguir um som de guitarra deste tipo tocando acordes agudos numa base extremamente rápida. Se na sua banda você tem montes de sons de teclados acontecendo junto à guitarra, você também pode ter dificuldades. Analise a sua música, e procure o timbre mais adequado para o arranjo e o andamento dela.

Vamos aos métodos de gravação, você precisará de uma boa guitarra, um bom amplificador, e pelo menos um bom microfone. Cabe aqui dizer que a tal boa guitarra tem que ser condizente com o tipo de música que você faz. Uma Fender Stratocaster original é uma excelente guitarra, mas possui captadores com “single coil” (bobina simples) que possuem menos ganho (volume e quantidade de distorção menor) do que os captadores de uma Gibson Les Paul original, que são do tipo “Humbucker” (bobina dupla). Se você toca numa banda de thrash metal, com certeza a Les Paul te dará um som muito mais apropriado. Se você toca numa banda pop, onde você trabalha muito mais os sons limpos da guitarra, talvez a Fender Stratocaster tenha muito mais a haver.

O mesmo cabe ao amplificador. Eu não aconselharia uma banda de thrash metal a usar um amplificador Roland Jazz chorus, que é um ampli que tem um ótimo som limpo, um chorus excelente, e também não aconselharia a banda pop de que falei a usar um Marshall JCM 900, que é um amplificador valvulado excelente para sons distorcidos. Procure se informar sobre o que os artistas que fazem o som que você gosta usam, e procure usar algo similar. O som do “Pantera” não vai sair de uma Fender com um Jazz chorus de jeito nenhum. Coerência!

Geralmente não uso nenhum tipo de processador entre a guitarra e o ampli. Se você quer distorção use um ampli que tenha um bom som distorcido, com o ganho “no talo”, e em volume alto, geralmente a distorção é suficiente. Se caso não for suficiente, use algum tipo de pedal que aumente o ganho, mas não altere o timbre original da guitarra, meus preferidos são o Tube Screamer da Ibanez (que é tão versátil que pode ser ouvido tanto no trabalho do Metallica quanto no de Stevie Ray Vaughann!!!), e o Super Overdrive da Boss (o pedal amarelinho). Se caso ainda assim você não conseguiu a quantidade de distorção que você queria, algum ponto do seu “setup” pode estar deficiente. Se você usar uma Fender Strato, um tube Screamer, e um amp[li Fender estará usando o mesmo setup de Stevie Ray Vaughann, e não conseguirá de maneira nenhuma o som do Metallica. Novamente, coerência.

Outra coisa importantíssima é a caixa que você vai usar para gravar. Falantes de qualidade são essenciais, usar um ampli “Fodão” com uma caixa “meia boca” não vai te dar um bom resultado. Para um som pesado (que é minha especialidade!) minha preferida é a Marshall Lead 1960, aquela com quatro falantes de 12 polegadas e traseira fechada. Para um som limpo, os “combos” (que são amplificador e caixa acústica conjugados) geralmente soam muito bem.

Quanto a gravar com efeitos, sou a favor de gravar com alguns efeitos que sei que serão necessários na música. Efeitos como o “chorus” de uma guitarra limpa (se bem que eu não suporto chorus! Acho que a quantidade permitida de chorus e de reverbs longos na história da gravação já foi toda utilizada nos anos 80, e não deveríamos ter permissão para usar este tipo de “arma perigosa” novamente J ), “Wah wah” (já pensou adicionar o wah wah na mixagem! Bleargh!!!), “Flanger”, “Phaser”, “Tremolo” ( e não é que agora todo mundo quer usar estes efeitos que eram tão odiados antes! Só espero que não aconteça uma onda de nostalgia com o Chorus! J ), e reverb de mola de amplificador (quando procuro por um som meio “surf music”, do contrário nunca gravo com reverb, deixo isto para a mixagem onde tenho maior controle).

Resumindo, se você gravar com um efeito depois não poderá tira-lo da música. Se gravar sem efeito, geralmente, poderá acrescenta-lo depois (mas não deixe para depois o que você pode gravar hoje!). Se sua guitarra estiver num “mar de reverb”, você nunca conseguirá fazer com que ela apareça no meio da base, vai parecer que a banda está tocando aqui em casa, e você tocando lá na esquina! Portanto só grave os efeitos que você tem certeza que soarão bem com o restante da banda. Qualquer dúvida pergunte ao técnico de gravação, ele te dará a melhor orientação possível, e como costumo dizer se você não confiar no técnico que está gravando a sua banda acho melhor você se questionar se vale à pena gravar com ele.

Microfonação
Quanto ao microfone, gosto de usar vários, mas se for usar só um, aconselho o Shure SM 57, que é um microfone relativamente barato (sendo que num estúdio alguns microfones custam mais que cinco mil dólares, um microfone de cento e poucos dólares pode ser considerado barato), e que com certeza gravou pelo menos metade dos sons de guitarra que você já ouviu em discos. Primeiro consiga um som legal no ampli, que funcione com a música que você vai gravar, posicione o microfone voltado para o centro do falante (close miking), indo direto para a mesa de som. Ouça nos monitores da sala da técnica como está soando. Se caso estiver muito “magrinho”, com pouca força nos graves, traga o microfone mais para a beirada do falante, dessa forma você terá menor incidência de agudos. Após achar a posição do microfone que mais te agradou, faça pequenos ajustes, primeiro na equalização do ampli, e depois na equalização da mesa. Lembre-se de que os outros instrumentos estarão tocando na música junto contigo, portanto não é necessário preencher todas as freqüências. Às vezes os grave que você está procurando virá do contrabaixo, por exemplo. Parece muito simples? Pois é simples assim. Vários discos que fiz foram gravados desta forma, e sempre conseguimos um bom resultado. Para tal é necessário que o som esteja vindo muito legal do ampli, o que ás vezes não é uma tarefa fácil.

Ok. Vamos falar sobre outros tipos de microfonação. Uma coisa que soa muito legal, principalmente para aquele som de guitarra meio anos 50 (Stray Cats!!!) é o microfone ambiente. Geralmente se usa um microfone de “cápsula larga”, desses que se usa normalmente para gravar a voz, ele é posicionado a mais ou menos um metro do ampli, direcionado para o falante. A combinação do SM57 perto do falante, com o microfone ambiente também pode soar muito bem. Eu gosto do som vindo de várias fontes, afinal quando você ouve um ampli numa sala você não está ouvindo apenas o som do ampli, mas também as reflexões do som dele no ambiente. A guitarra pode soar um pouco menos “na cara”, porém soará mais natural, e mais “larga”, experimente, quem sabe você encontra o som que está procurando.

Outra forma é usar dois SM 57. Se caso o ampli tiver a traseira da caixa aberta (a maioria dos “combos” é assim), posicione o segundo microfone atrás da caixa, com se estivesse “cara a cara” com o primeiro, e inverta a “fase” dele (sei que de repente a linguagem começou a ficar muito técnica, mas não há outra forma, me desculpe. Dúvidas, pergunte ao seu técnico J ), dessa forma um estará complementando o som do outro, e o resultado será mais “gordo” do que apenas o do primeiro microfone. Se a caixa for de traseira fechada posicione o primeiro microfone como foi dito no início (close miking), e o segundo formando um ângulo de 45o em relação ao primeiro (agora o troço ficou técnico de vez!!!), isto te dará um resultado similar ao caso do ampli com traseira aberta.

Estão me acompanhando? Ok. Vamos a mais um tipo de microfonação, esse eu aprendi numa revista gringa, com o renomado produtor Jack Douglas, o cara produziu John Lennon, Aerosmith, entre outros (só esses dois nomes já são mais do que suficiente para leva-lo muito a sério, não é mesmo?) o método é o seguinte: Use um microfone de cápsula larga (eu indicaria o Neumann U87), na posição cardióide (peça ao técnico…) a mais ou menos um palmo do falante, um Shure SM 57 num ângulo de 45o em relação ao mesmo falante, e um Seinheiser MD 421 também num ângulo de 45o em relação ao mesmo falante, mas num ângulo de 90o em relação ao SM 57, como se fosse imagem de espelho (veja a figura). Eu sei que parece loucura, mais foi Jack Douglas quem falou, e eu resolvi testar. Tive um resultado excelente! Foi a primeira vez em que ouvia o som direto do ampli, e o som rolando na técnica, e era exatamente idêntico! A galera da banda não acreditou. Mas o macete aqui é o seguinte: O Neumman é o som principal, aquele que sozinho mais se parece com o som do ampli. O SM 57 dá mais definição, mais “mordida” para o som. O MD 421 te dá mais “corpo”. Se certifique que todos os microfones estão em “fase” (peça ao técnico…), Levante o som do Neumann, e vá levantando o som dos outros dois microfones a seu gosto, mande todos para o mesmo canal de gravação (parece receita de bolo!). Tem gente que vai achar que você está louco, mas que o lance funciona, funciona!

Outra forma é usar várias fontes, vários amplis diferentes, por exemplo o som daa músicaa “man in the Box” da banda “Alice in chains”, foi gravado da seguinte forma: Um ampli “Fender” para os graves, um ampli “Marshall” para os médios, e um ampli “Vox” para os agudos, o setup é meio caro, mas o som compensa! O sinal da guitarra era dividido e mandado para os três amplis ao mesmo teempo, em uma só execução ele tinha o som de três amplis diferentes. Novamente o som vindo de várias fontes fica muito “maior”, experimente.

Outra dica importante, geralmente eu “dobro” as guitarras de base. O guitarrista grava a base da música num canal, depois grava novamente num segundo canal, tentando copiar ao máximo a execução da guitarra anterior, aí abro a primeira guitarra para o canal esquerdo, e segunda para o canal direito. Além de “encorpar” muito o som da guitarra, isso deixa o “meio” das caixas livre para a voz, e os instrumentos de solo, deixando a mixagem mais limpa e definida.

Outras formas de gravar
Uma coisa simples demais, mas que pode funcionar em alguns casos, é gravar a guitarra direto na mesa, sem nenhum tipo de amplificador. Exemplos deste tipo de método podem ser ouvidos no solo de “Crazy little thing called love” do Queen, “Finish what you started” do Van Halen, e em várias músicas do Led Zeppelin. É um som muito limpo meio sem “cara”, mas ás vezes se encaixa muito bem na música.

Há muitos anos atrás, um cara chamado Tom Scholz (guitarrista da banda Boston, e misto de gênio com cientista louco) inventou um “brinquedinho” muito legal chamado “Rockman”, era um aparelhinho que parecia um walkman onde você ligava a sua guitarra, e com um fone de ouvido você podia ouvir uma simulação do som de um ampli microfonado, nele tinha distorção, e alguns efeitos. Várias pessoas passaram a gravar usando apenas este aparelho direto na mesa de som. A banda inglesa “Def Leppard” gravou todos os seus discos fazendo uso do “Rockman”, clássicos como o disco “Pyromania” foram gravados sem o uso de um ampli de guitarra.

Nem sei se o “Rockman” ainda é fabricado, acho que não, mas ele abriu caminho para vários outros sistemas, O Zoom 9002, por exemplo, que fez a alegria da garotada no meio dos anos 80 com simulação de ampli e seis efeitos simultâneos, o Sansamp da Tech 21, que simulava vários tipos de ampli diferentes, e vários pres amplificadores passarão a colocar a “simulação de falante” em seus circuitos. mais recentemente uma empresa chamada Line 6 criou um aparelhinho chamado POD, no formato de um “feijãozinho” que simula 32 amplis diferentes, 16 caixas, e tem 16 efeitos, tudo isso programável, e controlado via um pedal, que também tem Wha wha e volume. Totalmente baseado em software, o aparelho tem um som muito, mas muito real mesmo, até os controles de equalização passam a agir como o do ampli que foi simulado quando você troca de programas. Na cola do POD já surgiram vários outros aparelhos similares de empresas concorrentes.

O sucesso foi tanto que eles criaram um “Plug in” (software que roda dentro de outro software) para “Pro Tools” (um sistema de gravação, edição, mixagem e masterização em computador) chamado “Amp Farm”. Agora você liga a sua guitarra direto no computador, escolhe o ampli, a caixa e grava! Não seja radical, o som realmente é muito bom, e já fiz vários testes comparando com amplis de verdade, e vários discos usando apenas este software, e ele não ficou devendo nada aos amplis. Não me entendam mal, se o guitarrista já tem um som definido, um ampli que costuma usar, eu microfono da melhor forma possível, passo horas se for necessário até chegar ao som que ele está procurando, mas se o guitarrista estiver disposto a experimentar o som do software, também me sinto à vontade, pois já perdi tardes inteiras para conseguir um bom som de guitarra, e quando fomos gravar o “clima” já tinha ido pra casa do cacete. Prefiro usar o tempo para conseguir uma boa performance dos músicos, do que para tentar achar um som ideal, acho que o importante é ter um bom resultado, e com as novas tecnologias, as coisas estão cada vez mais fáceis.

Mal posso esperar pelo que vem por aí…

Um abraço a todos e ‘Keep on Rockin’.

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