Quem canta, os males espanca!

Publicado originalmente no site Rockonline em 15/01/2002

cantaE aí galera, beleza?

Começo a nossa primeira matéria da coluna Pré-produção de 2002 desejando que nesse ano vocês consigam as melhores gravações de suas vidas!

Hoje vamos falar sobre o instrumento mais importante. O mais antigo de todos. Aquele que deu origem a todos os outros instrumentos. A voz!

No início, a gravação era feita com todos os músicos tocando juntos, e o vocalista cantando na mesma sala. Não é raro ouvir discos dessa época em que após gravar e regravar dezenas de vezes a mesma música, até conseguir um resultado satisfatório, os cantores tem suas vozes em frangalhos. A mixagem da voz nessa época era feita da seguinte forma: O cantor ficava mais perto do microfone do que os outros músicos, e pronto. É isso aí! Nêgo tinha que se virar e cantar o melhor possível, brigando com o volume de outros instrumentos na sala. Os primeiros discos de Rock’n’roll foram gravados dessa forma, não é difícil perceber que Little Richard ou Chuck Berry, tinham de dar o máximo de si para conseguirem se fazer ouvir.

Punch-in
A partir do momento em que surgiu a gravação em canais, que permitia que a voz fosse gravada depois da base instrumental, tudo ficou bem mais fácil, mas mesmo assim os recursos eram bem precários (alguém aí assistiu La Bamba?), mas aí começaram a surgir as primeiras “mutretas” para a gravação da voz. Uma delas é o chamado “punch in” (emenda), que permitia que a voz fosse até gravada frase por frase! Foi aí que alguns começaram a ficar preguiçosos… Já ouvi muitas vezes histórias a respeito do cantor Nelson Gonçalves, onde diziam que ele parava com o táxi na porta do estúdio, e dizia para o taxista: – Deixa o taxímetro correndo que eu só vou gravar um disco e já volto. É macho pra caramba! Mas a emenda não é assim tão negativa. Aliás, se a música ficar melhor, qualquer método é válido. Claro que aí é que começaram a “fabricar” cantores, mas como tudo em tecnologia, pode se usar para o bem ou para o mal…

Comp
Conforme os gravadores foram tendo mais canais (os primeiros “multi-tracks” tinham só dois canais), eles permitiram que fossem feitas várias gravações de voz da mesma música, para depois escolher os melhores trechos. Aí o cantor dizia: – Eu gostei do começo do primeiro canal, do meio do quarto canal, e do fim do segundo, é possível combiná-los? É claro que sim! Com isso surgiu o “comp” (vem de “compilação”). Não muito tempo atrás, a única forma de fazer estas combinações era abrindo e fechando (ou ligando e desligando) canais diferentes da mesa para conseguir a combinação ideal. Mas as coisas mudaram…

Edição digital
Com o surgimento da gravação em computadores, a coisa foi ficando cada vez mais fácil. Hoje além de poder gravar e escolher os melhores trechos de cada tomada de voz feita, você pode copiar trechos do começo da música para o final, por exemplo um refrão que ficou com a interpretação ideal, pode ser copiado para todos os outros com facilidade, em questão de segundos. O coro da música que se repetia 500 vezes no refrão final, pode ser gravado apenas uma vez, e copiado digitalmente para o restante da música. Se caso o vocalista cantou um pouquinho mais rápido do que deveria, é possível “atrasar” um pouco a frase, tornando a coisa bem mais agradável. É possível até mesmo expandir, ou comprimir o tempo de uma frase, dando a impressão de que a pessoa realmente cantou mais rápido ou mais lento (isso sem alterar tonalidade). Vocês já ouviram a versão nova da música “Múmias” do “Biquini Cavadão”? Eu que montei a voz do Renato Russo nesta música. Ela foi gravada originalmente em 1985 e a velocidade da música original era bem mais rápida do que a versão atual. A edição digital permitiu que a voz de Renato Russo fosse colocada de forma natural na música. Uma “manobra” como essa jamais seria possível sem esses recursos. Outra coisa que pode ser consertada com edição digital é a afinação. É verdade até isso! Novamente a ferramenta pode ser usada para o bem ou para o mal.

Microfones
Qual o melhor microfone para gravar uma voz? Depende. Qual o resultado que você está procurando? Se você vai gravar uma cantora de bossa nova, somente piano e voz (que saco hein?), provavelmente você vai usar um microfone super sensível, que capte cada detalhe da voz dela, e usar um fone de ouvido que não deixe o som “vazar” para o microfone. Mas se você vai gravar uma banda punk, um microfone de show (o bom e velho Shure SM58) pode soar muito melhor. A voz da música “Poor Twisted Me” do Metallica foi gravada com um microfone usado para “gaita de boca”, por isso ela soa distorcida, e ficou muito legal na música. Rob Zombie grava com microfone de show e sem fones de ouvidos, com monitores de chão (as caixas que são usadas para retorno de som dos músicos em show), e ele consegue um som bem característico e adequado ao estilo de música que faz. Experimente, não existe regra, às vezes de onde você menos espera é que surge um bom resultado.

Efeitos
Os Beatles (lá vem ele de novo falando dos Beatles…) experimentaram muito com efeitos diferentes de voz. Ligar uma caixa Leslie na voz, que é uma caixa que tem uma “corneta” de sons médios rotativa e é usada para gravar o tradicional órgão Hammond, não seria cogitaddo de jeito nenhum, mas em músicas como “Blue Jay Way” (ok, forcei no lado B), o resultado ficou simplesmente brilhante. Marilyn Manson, além de usar o microfone de show e não usar os fones de ouvidos, usa quatro pré-amplificadores ligados um na saída do outro, para conseguir aquela saturação característica de sua voz, que também é muito legal. Na música “I Love It Loud” do Kiss, é possível sentir uma “ondulação” na voz de Gene Simmons, esse efeito se chama Flanger. Liberdade artística, e bom gosto são requisitos mais do que necessários em situações como essa.

Performance
O que mais dizer? Quer um bom som de voz? Arranje um bom cantor! Mais de 80% da qualidade final está nas mãos dele. Vários artistas antigos já conseguiam um resultado excepcional, sem ajuda da tecnologia. Afinação, rítmo, interpretação, e saber “vender o peixe”, são requisitos fundamentais. Faça a lição de casa, se prepare bem, e terá um ótimo resultado.

Espero poder ter ajudado, um 2002 absurdamente bom pra vocês!!!

Um abraço a todos e ‘Keep on Rockin’.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *